quarta-feira, janeiro 11, 2006

Aventuras Eléctricas # 1


Tinha eu acabado o 12º ano e não tinha nada para fazer. Por sugestão de um tipo da Quinta da Lomba, o Sérgio, fui procurar trabalho numa firma de montagens eléctricas que havia ali na zona industrial de Palhais, propriedade do Fernando Oliveira. Falei lá com um certo engenheiro, o tipo parece que gostou da minha pinta e fiquei com o trabalho. Tinha que me apresentar no dia seguinte ao Sr.Carlos Oliveira, em Setúbal, na Multiauto-aquela garagem e oficina da Renault, que fica na estrada que vai de Setúbal para Palmela.

No dia seguinte apanhei o comboio, saí na estação de Setúbal, apanhei uma camioneta para Palmela e apresentei-me no local indicado. Estava um tipo à porta que devia ser pedreiro a fumar uma cigarrada e a coçar os tomates. Indicou-me a pessoa em causa “o Oliveira é aquele gajo de óculos escuros”. Lá fui e apresentei-me, “sim senhor temos aqui o rapaz que vem ajudar, muito prazer eu sou o chefe Oliveira, este aqui é o Zé Mosca, mas ainda falta vir o material que se encomendou, por isso vamos beber uma mini ali abaixo que eu ainda não bebi nada hoje”. Eram para aí umas 9.30 da manhã.

Aqui está o início da minha aventura de 8 meses como ajudante de electricista.

Fique assim a trabalhar na equipa do Oliveira e do Zé Mosca. Eram tipos porreiros e que sempre me trataram muito bem, não tive razão de queixa, embora o Oliveira quando vinha com os azeites me irritasse um pouco.
O Zé Mosca morava na Baixa da Banheira, teria uns 50 anos na altura, era pai de família, uma pessoa calma e ponderada, muito educado e brincalhão mas sem ofender ninguém. Estava quase sempre bem disposto. O Oliveira que morava em Setúbal, era um trintão pintarolas quase sempre de óculos escuros ray-ban, todo perfumado, assobiava e mandava bocas às gajas, achava-se um bonitão, um macho latino e era casado há poucos meses, embora parecesse que andava rebarbado…mas era mesmo o seu feitio.

Nos primeiros tempos, como os trabalhos ainda estavam no início e eu pouco sabia do ofício, a minha tarefa era ir buscar coisas que me pediam, segurar num escadote, puxar um cabo, levar um recado a alguém, enfim…coisas pouco complicadas. Logo de manhã, ia comprar o pequeno-almoço ao Bairro 1º de Maio, atravessava um pinhal e dirigia-me à única mercearia que ali havia. Atendia-me um senhor extremamente rude e nada simpático que parecia que ele é que me estava a fazer um favor. Nunca me deu um bom dia, o antipático. Trazia de lá fatias de torresmos, paio, chouriço, queijo, cervejas, sumos, tudo o que me pediam. Chegava por volta das 10 horas, a malta vinha comer e voltava a pegar lá para as 10.30. Era quase a manhã feita. Pouco a pouco foi havendo mais trabalho, tudo corria bem, mas a equipa de 3 elementos teve de ser reforçada porque havia prazos a cumprir - a inauguração da oficina estava marcada para 1 de Junho- chegámos a trabalhar dia e noite de seguida para acabar aquilo, mas conseguimos. Uma carrada de doutores e engenheiros eram visita frequente na obra.

Vieram, então, mais elementos juntar-se à equipa: O Chico Pires do Lavradio, o Tavares da Quinta do Conde, Max “o Poeta” e o Carlos Pereira ambos da Vila Chã.
O Carlos Pereira estava casado para aí há um ano com uma tipa de Palhais que, ao que diziam, o enganava com um gajo de Setúbal e que se chamava Carlos…precisamente o nome do chefe. De referir que este Carlos Pereira era um matacão de homem, conhecido como “o tractor” devido ao seu poderoso porte físico e brutalidade no trato com os outros. Meteu na cabeça que o Oliveira lhe tinha metido os cornos, e era vê-lo a olhar de esguelha para o chefe, a mandar-lhe indirectas que o outro não percebia, primeiro mais a brincar e depois, com o passar dos dias, cada vez mais crispado que o Oliveira já comentava “mas este caramelo conhece-me de algum lado? Andámos na tropa juntos ou quê?”. E o Pereira a dizer “pois, pois fazes que não é nada contigo…qualquer dia temos que falar dumas coisas que eu cá sei!”.

Uma vez perguntei ao Pereira porque é que ele não gramava o chefe. Então, lá me contou que o seu casamento estava na merda, tinha dado porrada na mulher, esta tinha saído de casa, e que há meses que andava metida com um gajo de Setúbal, que lhe disseram chamar-se Carlos e que às vezes era visto na zona de Palhais com a mulher dele. Ele achava que o gajo era o Oliveira!

Ok, o gajo é de Setúbal, chama-se Carlos, mas isso não quer dizer que seja o mesmo. O certo é que houve um dia em que se pegaram pelos colarinhos, o Pereira lá acusou o outro de lhe andar a comer a mulher e o Oliveira lá esclareceu que não era ele o amante da tipa e que agora percebia a razão de tanta animosidade, lá falaram e se entenderam, o Pereira pediu desculpa que andava muito afectado com tudo aquilo, a malta lá acalmou a cena, que em Setúbal haveria concerteza muitos Carlos e que alguns iam a Palhais, mas este não era de certeza. Depois disto ficaram a dar-se bem. Fez-se uma jantarada na Volta da Pedra e todos amigos que isto é uma festa!

Depois, o Pereira deixou a empresa porque tinha conseguido um trabalho como camionista e passou a correr toda a Europa com um camião, casou com a Paulinha-uma miúda muito encolhida que andava sempre com a mãe para todo o lado-, tiveram uma filha, depois arranjou uma tipa no norte de Espanha e separou-se da Paulinha que ficou com a filha e com a casa.

O outro cromo era o Tavares. Louro com uns 45 anos, conduzia a carrinha que transportava a malta e também fazia trabalhos de electricista, estava sempre no gozo e a mandar bocas. Quando íamos na carrinha se via alguma gaja apitava logo, abria o vidro e “comia-te toda minha vaca…” e fazia-te mais isto e mais aquilo. Com a vinda dele já não era preciso eu ir à comida, porque vinha-nos buscar e trazer a casa e comíamos pelo caminho. O tipo ao pequeno-almoço comia uma bifana que atascava com mostarda, acompanhava com uma Sagres média e rematava tudo no final com um bagaço. Era assim todos os dias. Curiosamente não fumava. Chegou a convidar a malta às sextas-feiras para ir experimentar os petiscos da mulher (moelas, orelha de porco, lombinhos) à sua vivenda na Quinta do Conde, uma daquelas construções clandestinas a imitar moradias alemãs, francesas e suíças. Tinha uma cozinha ampla e que dava para um quintal, onde tinha uma rede de pescador que fornecia sombra a uma grande mesa que ele enchia com chouriços, presunto, queijos, torresmos, cervejas,etc.
Escusado será dizer que se apanhavam lá grandes bubas e depois ele vinha levar-nos naquele estado que só não tivemos acidentes por milagre.

Certa vez, já no mês de Maio, o Tavares convidou-nos para mais um petisco na sua casa. Antes fizemos uma paragem num café para beber um copo e refrescar que estava um calor do caraças. Entrámos para a carrinha, enfiámos por umas ruas confusas e o Tavares diz “esperem lá que eu vou voltar atrás…acho que vi a puta ali!”. Eu não estava a perceber nada da conversa e menos percebi quando ele parou a carrinha, saiu disparado e pregou um par de estalos na sua mulher que ficou estendida da terra batida a chorar. E ele chamava-lhe “sua vaca, puta de merda!”, “um homem a trabalhar para sustentar putas destas!”. A rua encheu-se de mirones, o pessoal lá agarrou o Tavares, o Zé Mosca levantou a senhora e as coisas lá foram acalmando.

Pois bem, o Tavares também se sentia enganado pela mulher e dizia que ela passava a vida no café enquanto ele bulia que nem um cão, que andava toda pintada e de mini-saia e metia outros homens lá em casa e que não estava mais para ser cornudo! Lá foi traçando um péssimo retrato da esposa enquanto nos conduzia a casa naquela sexta-feira à tarde. Na semana seguinte já vinha todo contente, tinha-se entendido com a mulher, esta prometera não andar na rua pintada e toda provocadora e tudo voltara ao normal.

Mas foi o triste fim dos belos petiscos patrocinados pelo Tavares.

3 comentários:

pinhacolada disse...

Claro que o Max merecia isso e muito mais.A seu tempo virá um especial sobre o Max e o seu famoso livro "O Nascimento da Rosa", uma edição de autor que foi distribuido gratuitamente em todos os tascos e clubes recreativos da Vila Chã, StºAntónio, Qta.do Torrão e arredores, e que versava sobre a sua louca paixão por uma gaja da Quinta da Torrão. A seu tempo.

pinhacolada disse...

Ah, esqueci-me de mencionar o outro livro "Alucinações Psicadélicas", uma trip literária que tomara o Jim Morrison ter tido arcaboiço para a ter escrito.
1 abraço Riky.

blimunda disse...

vocês só conhecem é cromos!