quinta-feira, março 23, 2006

Campismo Selvagem Revisited



Estavamos enfiados numa enorme fila de trânsito há mais de uma hora, naquela estrada que vem do Meco e da Lagoa, para entrar na estrada de Sesimbra. Num pára-arranca de moer a paciência a um santo, dentro de uma velha carrinha Bedford conduzida pelo sr.João Aldrabão, o pai do Russo, que também lá estava, e mais cinco tipos lixados da vida, porque tínhamos sido impedidos de entrar no Parque de Campismo da Lagoa, devido à falta do cartão de campista, que ninguém possuía. Também era a primeira vez que íamos e como podia alguém lembrar-se de tal documento imprescindível?

De repente avistámos fumo, mas não se conseguia ver a que se devia. Quando nos aproximámos do local o Kevin, com o seu sentido de oportunidade, mete a cabeça fora da janela da carrinha e exclama em viva voz:
- Eh lá, ca ganda sardinhada…já jantava!
Só que, se aquilo se tratava de facto de uma sardinhada, não cheirava a tal. E não era. Logo a seguir à curva que nos impedia de verificar se era ou não sardinhada, estava um carro avariado a deitar fumo do motor e três gajos fulos a olhar para nós e com vontade de nos irem às fuças por estarmos a gozar com o seu infortúnio. O Kevin lá pediu desculpa aos gajos ameaçadores e seguimos.
Assim que ficaram para trás desatámos a rir à gargalhada. Foi mais uma saída famosa do Kevin, uma entre tantas outras.

Chegados ao Barreiro a desmotivação era geral. Discutíamos uns com os outros e ninguém se entendia. A agora o que é que iríamos fazer? Já não se acampa? Já antes tinha havido várias desistências; começaram por ser uns quinze a dizer que iam e acabámos por ser apenas seis. O Gordo até trocou as emoções deste primeiro acampamento por uma festa betinha de final de aulas lá na sua garagem, com malta da escola que tinha namorada certa. Como nós não reuníamos esta condição essencial não fomos convidados. No entanto, ainda lá fomos petiscar uns rissóis e croquetes e mamar uma cervejita a meias, não muita que aquilo era mais sumos e coca cola. Enfim, uma festa betinha.

Conversa puxa conversa, vamos para aqui e vamos para ali, e eis que surge o inevitável “morra quem se negue!”, mas a malta vai acampar de qualquer maneira, nem que seja para a Tease Beach. Ou foi o Lulu ou o Kevin que teve a brilhante ideia de irmos para Tróia para o parque que lá havia, que os gajos nem pedem cartão nem nada. Dito e feito e siga de comboio para Setúbal. Mais por teimosia e para provar aos cócós desistentes que conseguíamos ir.
Chegados a Tróia, enfiámos pela berma da estrada enquanto íamos esticando o polegar de cada vez que passava um carro, mas não tivemos sorte. Chegámos ao parque e estava fechado. E desde aquela altura nunca mais abriu. Mais um azar do camandro! Alguns queriam voltar para casa. Qual quê? Vamos fazer campismo selvagem e mais nada! Mais uma vez dito e feito.

Escolhemos o local rapidamente quando já o sol se punha. Tínhamos duas tendas para montar antes que ficasse de noite. A primeira pertencia ao Russo, o tipo mais organizado de todos, era novinha e comprada nessa mesma semana na Tutti Sports, era do mais moderno que havia no mercado e de fácil montagem. Nesta calhou o dono, o Lulu e o Paulo Cascavél. A segunda tenda era o oposto. Nela fiquei eu, o Kevin e o Camacho. Não havia maneira de conseguirmos montar aquilo bem, uma porra de tenda em lona da idade da pedra, emprestada pelo namorado da irmã do Camacho, o Orlando, que era um grande maluco de Palhais e que havia garantido ao pessoal que era muito boa, de fácil montagem, não entrava água nem frio, e que dava para quatro ou cinco pessoas à vontade. Nada disso. Sobravam peças, não ficava bem presa ao chão e fomos arranjar pedras para a segurar, experimentámos de várias formas e nada, ninguém atinou com aquilo e ficou assim no mais ou menos bem, para o que é serve. Além do mais ficávamos bem apertadinhos lá dentro. A seguir abrimos as latas de atum, de salsichas e os panados da mamã acompanhados de cerveja quente e lá jantámos em paz e sosssego. Começava oficialmente o primeiro acampamento da malta da rua.

Mais uma vez…enganámo-nos. Estávamos na hora dos cigarrinhos, digestivos e afins, enquanto o Kevin se encontrava nas dunas de rolo de papel higiénico nas mãos e a arrear o calhau, e eis que soou um trovão e começou a chover com toda força, levantou-se uma ventania que parecia que a natureza queria descarregar a sua fúria em cima de nós. Lá veio o gajo com as calças na mão em passo de corrida e recolhemos todos às tendas. Não tardou muito para que a nossa tenda começasse a ameaçar que se soltava e enquanto uns seguravam na dita, os outros foram buscar mais pedras para aguentar aquilo. Choveu toda a noite a potes e com rajadas de vento que parecia que íamos pelos ares. Choveu lá dentro também. Para piorar as coisas, o Kevin não parou de dizer:
- Estou a ouvir barulhos….está alguém lá fora, caralho!
E nós dizíamos:
- Então levanta-te e vai lá ver!
Mas, tá quieto, não mexeu uma palha e atazanou-nos o juízo durante toda a noite. Eu e o Camacho fomos lá fora ver e de facto não havia ninguém, claro. Era do vento. Só que ele dizia que eram passos que ouvia, que íamos ser assaltados e coisas do género. Que noite de merda! O que valeu foi o vinho tinto e a vat 69 que nos aqueceu.

A outra malta dormiu confortável e nós metidos naquela bosta de tenda emprestada pelo maluco do Orlando, que queria era ver o Camacho longe para poder estar à vontade e saltar para a espinha da irmã, a Vitinha, pois claro, que por sinal era boa como o milho!

Quando nasceu o dia nasceu trouxe um sol radioso como se nada se tivesse passado, como se aquele vendaval e chuva tivesse sido produto da nossa imaginação. A moral era baixa. Não havia condições para continuar. Arrumámos a tralha e apanhámos o ferry para Setúbal. Sábado à hora do almoço estava em casa cansado, com dores de cabeça do vat 69 e deprimido com o resultado do tão ansiado acampamento, primeiro falhado em dois parques e concretizado de forma selvagem, mas inglória. Fomos motivo de chacota dos que não foram. Desta vez ficaram os cocós a rir-se de nós. Que fim triste!


Mas no mês seguinte soubemos que um vizinho fora eleito presidente do parque da Lagoa, falámos com o homem e ele arranjou maneira de nos meter lá dentro com desconto especial e sem necessidade de cartão. A partir dali, era uma semana lá, uma semana em casa, uns vinham e outros iam…e foram dois Verões muito bem passados.

1 comentário:

blimunda disse...

Sim sim é muito fácil imaginar estas belas peças!