terça-feira, setembro 12, 2006

Fora-de-Jogo


Já não é de agora que o futebol é um sítio mal frequentado. Eu pratiquei este desporto durante 8 anos, até a nível federado, e logo percebi uma coisa elementar neste mundo: Quem não tem padrinhos não vai a lado nenhum. Logo, as semelhanças com a máfia começam bem cedo, nas camadas jovens. É ver os papás ceguinhos com a ideia de o seu rebento vir a ser um ídolo, contas bancárias recheadas, carros topo de gama, vidas de luxo e fama, muita fama e a inveja dos outros; um verdadeiro orgasmo mental preenche estas mentes. Insinuam-se de todas as formas ao treinador, aos directores do clube, aos roupeiros, etc, para que estes ponham a vista no talento que ali têm à frente. Claro que, no meio de um maralhal de miúdos a correr atrás da bola, é impossível detectar todos os bons. Eu vi grandes jogadores que se perderam em competições decadentes de distritais e de bairro, sem nunca terem tido a devida atenção ou acompanhamento. Eu vi grandes toscos bem apadrinhados a conseguirem boas colocações em clubes melhores. Eu vejo imensos jogadores até em clubes de topo que não valem um chavo.
Era, é e será assim que as coisas acontecem. Mas o pior disto tudo são aqueles que apenas procuram um pouco de poder e protagonismo neste mundinho; sejam eles dirigentes, árbitros, treinadores, empresários. Arranjos e favores, códigos de linguagem próprios dos filmes, almoçaradas para se combinar, prostitutas para apimentar, há de tudo um pouco.

Eis alguns excertos deliciosos publicados na imprensa sobre os meandros dos favores e prendas a árbitros:

«…prendas recebidas: "Trouxemos um carregamento, Deus nos livre... que nem cabia na mala", descrevendo: camisas Ralph Lauren, camisolas Lacoste, calças Levis e caixas de vinho. Tudo para a equipa de arbitragem.

E terá recebido muitas "prendas" para a associação: uma arca congeladora, uma impressora e até obras, por parte da câmara local

"Ele gastou lá dinheiro como o caralho naquela merda, e isso ele ajudou-me, mas isso já foi à parte. A câmara foi só a mão-de obra, a areia... E não era, não estava contratado isso, mas ele, prontos, ele conseguiu desviar lá areia e tijolo, aquilo também é barato. (...) De resto foi tudo nós e está ali uma obra de luxo."

…aconselhou os avançados da equipa a procurarem o contacto físico com o adversário: "Ó pá, tens que te enrolar com ele, caralho! Não é encostares-te a ele e deitares-te." Chegou a dizer que anulou deliberadamente um ataque do Gandarela, assinalando fora-de-jogo: "Foi na horinha certa, pá! Pronto... Vamos ver o resto, na segunda parte."

Doze minutos que dei [período de compensação]. Nem assim."

O que eu queria era que me corresse bem o jogo, (...) que me corresse bem e que ganhasse quem ganhou."


…apanhado nas escutas a pedir favores a Valentim"

“A situação está normalizada”, diz a Federação Portuguesa de Futebol.»



Mas como é que não se fazem filmes sobre isto? Por onde anda o cinema português, que temáticas o caracterizam? Estão aqui diálogos riquíssimos, aliás uma das falhas do cinema de cá.
Mexam-se pá! Ponham os olhos nisto! Não tenham vergonha daquilo que somos!

Tanta matéria a explorar...

Enquanto praticante, não posso esquecer as cenas vivi: Um gajo do Paio Pires a dar uma cabeçada ao árbitro e chamar-lhe filho da puta, o Cabeça-de-Martelo a ser empurrado por um jovem do Corroios e a enfiar a cabeça no muro junto à linha lateral e a ser levado para o hospital inconsciente, os adeptos do Sesimbra que passavam o jogo a atirar pedras contra nós, um Moitense-Palmelense em que arremessaram um tijolo à cabeça do árbitro, uma facada num jogo de iniciados ali no campo do Santoantoniense, uma vez em Pegões em que esperámos 3 horas até a GNR aparecer, a expulsão de um massagista do Vila Chã que entrou no campo para assistir um jogador com uma camada de bagaço em cima (e era de manhã!) e com o cigarro aceso nos beiços, mulheres desnorteadas a verem os filhos jogar, esperas aos adversários, treinadores maricas, guardas de campo alcoólicos que batiam nas mulheres, prémios de jogo que consistiam em sandes de courato e sumol, chuteiras 2 números abaixo porque não havia dinheiro para mais, balneários sem água, um Rosmaninhal-Segura em que entrou um tipo com um mini pelo campo em pleno jogo, um campo na Arrentela em que a bola ia sempre parar ao cemitério e um gajo tinha que pedir a quem visitava as campas para fazer o favor de atirar a mesma, campos inclinados como um em Azeitão, eu sei lá que mais que agora não me ocorre.

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