Jack London (1876-1916), publicou em 1903 "O Povo do Abismo" que relata e desmascara o embuste que constitui a Civilização Moderma, onde a barbárie continua legitimada pelo voto democrático. Aqui deixo um excerto:
«Lancemos um olhar sobre o abismo social no seu todo e coloquemos certas questões ao mundo civilizado, para as quais encontrará justificação ou não. Por exemplo, a Civilização melhorou o destino do homem médio?
Vejamos. No Alaska, nas margens do Yukon, perto da foz, vive um povo primitivo, os Inuits. São uma manifestação muito ténue e fugaz desse tremendo artifício a que chamamos Civilização. O seu rendimento anual deve andar à volta das 2 libras por pessoa. Caçam e pescam para se alimentar, com lanças e flechas com pontas de osso. Nunca têm falta de abrigo e as roupas, quase sempre feitas com peles de animais, são quentes. Não lhes falta combustível para acender fogueiras e madeira para construir as casas, que enterram até meio, instalando-se confortavelmente lá dentro nos períodos dos grandes frios. Durante o verão, vivem em tendas abertas à brisa e ao ar fresco. O único problema que os aflige é a alimentação, porque há fases de abundância e períodos de fome. No primeiro caso, consomem o mais que podem e passam privações no segundo.
Mas não conhecem a fome reduzida ao estatuto de situação normal e alargada a milhares de pessoas. E não têm dívidas.
No Reino Unido, à beira do Atlântico, vivem os ingleses. É um povo, completamente civilizado. O rendimento anual de cada habitante é pelo menos de 300 libras. Não angariam os alimentos pela caça e pela pesca, mas trabalhando arduamente, em enorme fábricas. Na maior parte dos casos, estão mal alojados e às vezes nem sequer têm abrigo, falta-lhes combustível para se aquecerem e não têm agasalhos suficientes. Um número sempre constante de pessoas nunca teve casa e dorme ao relento. Encontram-se muitos a tiritar de frio pelas ruas, esfarrrapados. Quando tudo corre bem, a maioria arranja comida e, quando corre mal, morrem de fome, como morriam no passado e como morrerão no futuro. A Inglaterra tem 40 milhões de habitantes e 939 mil morrem na miséria, enquanto um exército permanente de 8 milhões se debate nos limites da miséria. Além do mais, cada bebé que vem ao mundo já nasce com uma dívida de 22 libras, graças a um artifício a que chamam Dívida Nacional.
Se considerarmos o inuit médio e o inglês médio vemos imediatamente que a vida é mais clemente para o inuit. Enquanto ele só passa fome nos momentos mais críticos, o inglês suporta-a toda uma vida. O inuit nunca tem falta de combustível, de roupas ou de casa, enquanto o inglês gasta o tempo todo à procura destes três elementos indispensáveis à vida.
É por isso interessante o que disse Huxley, que trabalhou como médico no East End de Londres: “Se me dessem a escolher, preferia, sem hesitação, viver entre estes selvagens, em vez de levar a vida dessa pobre gente da cidade cristã de Londres.”
O bem-estar de que goza o indivíduo é produto do seu trabalho. Visto que a Civilização não pode dar ao inglês médio a alimentação e o abrigo que a natureza dá inuit, surge imediatamente a questão:
A Civilização aumentou a capacidade produtiva do homem médio?
Mas, responder-me-ão, ela aumentou essa capacidade, visto que cinco padeiros podem fabricar pão para mil pessoas, e um só homem pode produzir roupas para 250 indivíduos, botas e sapatos para mil. Então, se aumentou a capacidade produtiva porque não melhorou a sorte do homem médio?
A esta pergunta só se pode responder de uma maneira: devido a uma má gestão.
É evidente que se 40 milhões de indivíduos, com o auxílio da Civilização, possuem uma maior capacidade produtiva que os inuits, esses também devem poder gozar de maior bem-estar material e muitos mais prazeres espirituais.
Um vasto império sucumbe às mãos destes gestores incapazes. Fizeram um trabalho de sapa e revelaram uma incompetência invulgar, além de que desviaram fundos públicos. Nenhum dos responsáveis dessa classe dirigente pode deixar de ser condenado na barra do tribunal da Humanidade. Não há que enganar, a Civilização centuplicou a capacidade produtiva da humanidade e, em consequência da má gestão, os civilizados vivem pior que os animais, têm menos que comer e estão menos protegidos do rigor dos elementos que os selvagens inuits num clima muito mais frio. Vivem hoje como na Idade da Pedra, há mais de 10 mil anos.»
Vejamos. No Alaska, nas margens do Yukon, perto da foz, vive um povo primitivo, os Inuits. São uma manifestação muito ténue e fugaz desse tremendo artifício a que chamamos Civilização. O seu rendimento anual deve andar à volta das 2 libras por pessoa. Caçam e pescam para se alimentar, com lanças e flechas com pontas de osso. Nunca têm falta de abrigo e as roupas, quase sempre feitas com peles de animais, são quentes. Não lhes falta combustível para acender fogueiras e madeira para construir as casas, que enterram até meio, instalando-se confortavelmente lá dentro nos períodos dos grandes frios. Durante o verão, vivem em tendas abertas à brisa e ao ar fresco. O único problema que os aflige é a alimentação, porque há fases de abundância e períodos de fome. No primeiro caso, consomem o mais que podem e passam privações no segundo.
Mas não conhecem a fome reduzida ao estatuto de situação normal e alargada a milhares de pessoas. E não têm dívidas.
No Reino Unido, à beira do Atlântico, vivem os ingleses. É um povo, completamente civilizado. O rendimento anual de cada habitante é pelo menos de 300 libras. Não angariam os alimentos pela caça e pela pesca, mas trabalhando arduamente, em enorme fábricas. Na maior parte dos casos, estão mal alojados e às vezes nem sequer têm abrigo, falta-lhes combustível para se aquecerem e não têm agasalhos suficientes. Um número sempre constante de pessoas nunca teve casa e dorme ao relento. Encontram-se muitos a tiritar de frio pelas ruas, esfarrrapados. Quando tudo corre bem, a maioria arranja comida e, quando corre mal, morrem de fome, como morriam no passado e como morrerão no futuro. A Inglaterra tem 40 milhões de habitantes e 939 mil morrem na miséria, enquanto um exército permanente de 8 milhões se debate nos limites da miséria. Além do mais, cada bebé que vem ao mundo já nasce com uma dívida de 22 libras, graças a um artifício a que chamam Dívida Nacional.
Se considerarmos o inuit médio e o inglês médio vemos imediatamente que a vida é mais clemente para o inuit. Enquanto ele só passa fome nos momentos mais críticos, o inglês suporta-a toda uma vida. O inuit nunca tem falta de combustível, de roupas ou de casa, enquanto o inglês gasta o tempo todo à procura destes três elementos indispensáveis à vida.
É por isso interessante o que disse Huxley, que trabalhou como médico no East End de Londres: “Se me dessem a escolher, preferia, sem hesitação, viver entre estes selvagens, em vez de levar a vida dessa pobre gente da cidade cristã de Londres.”
O bem-estar de que goza o indivíduo é produto do seu trabalho. Visto que a Civilização não pode dar ao inglês médio a alimentação e o abrigo que a natureza dá inuit, surge imediatamente a questão:
A Civilização aumentou a capacidade produtiva do homem médio?
Mas, responder-me-ão, ela aumentou essa capacidade, visto que cinco padeiros podem fabricar pão para mil pessoas, e um só homem pode produzir roupas para 250 indivíduos, botas e sapatos para mil. Então, se aumentou a capacidade produtiva porque não melhorou a sorte do homem médio?
A esta pergunta só se pode responder de uma maneira: devido a uma má gestão.
É evidente que se 40 milhões de indivíduos, com o auxílio da Civilização, possuem uma maior capacidade produtiva que os inuits, esses também devem poder gozar de maior bem-estar material e muitos mais prazeres espirituais.
Um vasto império sucumbe às mãos destes gestores incapazes. Fizeram um trabalho de sapa e revelaram uma incompetência invulgar, além de que desviaram fundos públicos. Nenhum dos responsáveis dessa classe dirigente pode deixar de ser condenado na barra do tribunal da Humanidade. Não há que enganar, a Civilização centuplicou a capacidade produtiva da humanidade e, em consequência da má gestão, os civilizados vivem pior que os animais, têm menos que comer e estão menos protegidos do rigor dos elementos que os selvagens inuits num clima muito mais frio. Vivem hoje como na Idade da Pedra, há mais de 10 mil anos.»
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